O SABIÁ E A GIRAFA Leo Cunha

 


       

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    O sabiá da minha história não sabia avoar. Assobiar ele sabia. Mas, que mais batesse as asas, o sabiá não subia.
    Avoa, sô, avoa! O pobre não decolava. Pulava lá do galho, aterrissava na bacia.
    Não desistia o sabiá. Saltava, caía, pulava, caía, tentava, caía.
    ...
    Um dia, o sabiá dizia, um dia eu consigo avoar.
    ...
    Girafa(...) é sempre igual.
    Nada fala, tudo espia. Sem um pio, sem um fio de voz.
    ...
    Mas a girafa da minha história era muito diferente. A muda queria mudar. Não o mundo, mas a vida.     Queria enganar o silêncio que lhe esganava a garganta. Queria encolher a dor de não escolher as palavras. Queria desemudecer.
    Um dia, jurava a girafa, um dia eu consigo cantar.
    O encontro se deu por acaso, por acaso o deus dos encontros.
    O sabiá resolveu chorar no alto de um pé de caju. A girafa se lamentava no baixo daquele pé. Uma árvore muito esquisita, mas desgosto não se discute.
    Estavam os dois ali. Os dois no mesmo pé. Ela vendo o que não cantava. Ele cantando o que não conhecia. Ele queria saltar nas alturas. Ela sonhava assaltar partituras.
    E a dupla melancolia - ou foi a natureza? - tratou de cruzar os caminhos. A sabedoria do vento    mandou o sabiá pro espaço. Pra ver se ele avoava. Pra ver se acertava o compasso, o sabiá avoado.
    Mas ele caiu de cabeça na cabeça da girafa. Silêncio. Sabiá assustado. Contudo, depois do susto, o    coitado gostou do que viu. Cada passo da girafa passeava ele no céu. Cada girada do pescoço, um horizonte descoberto. E ele começou a cantar.
    A girafa ficou fascinada. Aquela voz afinada soltou sua cara amarrada. Desfez a careta enfezada.           Ofereceu então moradia ao dono de tal melodia, de canto tão doce e terno. E o canto do sabiá virou o seu canto eterno.
    O sabiá ficou morando na cabeça da girafa. A girafa, namorando o canto do companheiro.
    Minha história acaba aqui. Mas a dos dois continua, sem plateia nem juiz, depois do final feliz.

 

CUNHA, Leo et aI. Meus primeiros contos, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 9-12. (Coleção Literatura em minha casa: 3.) 

 

1) Analisando o desejo dos dois animais, pode-se inferir que:

a) ambos sonhavam coisas impossíveis.

b) o sonho do sabiá era utópico.
c) o querer da girafa era irreal.
d) a realização das vontades de ambos os animais dependia apenas deles próprios.
e) girafa e sabiá devaneavam.


2) “Minha história acaba aqui. Mas a dos dois continua, sem plateia nem juiz, depois do final feliz.” A história do sabiá e da girafa continua  porque:

a) tornaram-se parceiros.

b) cada um realizou seu próprio sonho.
c) um realizou o sonho do outro.
d) os sonhos se completavam, apesar de não terem sido concretizados.
e) aprenderam a conviver com os sonhos dentro de si.


3) Em “Saltava, caía, pulava, caía, tentava, caía.”, denota-se:

a) a frustração do sabiá.

b) a persistência do sabiá.
c) a desconjuntura do sabiá.
d) a destreza do sabiá.
e) a fragilidade do sabiá.


4) Polissemia ocorre quando uma palavra reúne vários significados. Em “ A muda queria mudar”, o vocábulo muda, polissêmico, tem o sentido de incapaz de falar. Assinale a alternativa em que esse vocábulo mantém esse sentido.

a) Passarinho na muda não canta.

b) A mãe levava sempre uma muda de roupa para o bebê.
c) Ganhei uma muda da planta que tanto queria.
d) A deficiência de uma pessoa muda é a mudez.
e) A muda dos cavalos ocorria sempre ao entardecer.

5) O item que retoma  o desejo da girafa, confirmando-o é:

a) Nada fala, tudo espia.

b) Sem um pio, sem um fio de voz.
c) Queria desemudecer.
d) A girafa se lamentava no baixo daquele pé.
e) E ele começou a cantar.


6) Sabiá e girafa  não realizaram seus sonhos, porém viveram felizes a partir do momento em que seus destinos se cruzaram. A justificativa para essa felicidade é:


a) a concretização de um sonho é impossível.
b) o destino é o único responsável pela felicidade.
c) a realização de sonho pode estar na conciliação e interação com o outro.
d) a felicidade advém da limitação de cada um.
e) a felicidade é um estado de espírito passageiro.



7) Qual o clímax do texto?

a) O encontro ao acaso do sabiá e da girafa.

b) O lamento de ambos os animais.
c) A escolha do pé de caju como árvore do desgosto.
d) A dupla melancolia dos animais.
e) O sabiá cai na cabeça da girafa.


8) Em “Estavam os dois ali.”, o advérbio destacado retoma o termo:

a) encontro.

b) acaso.
c) mundo.
d) pé de caju.
e) caminhos.


9) A alternativa que apresenta uma conjunção com o sentido de oposição é:

a) Ele queria saltar nas alturas e ela sonhava assaltar partituras.

b) Mas ele caiu de cabeça na cabeça da girafa. Silêncio. Sabiá assustado. Contudo, depois do susto, o coitado gostou do que viu.
c) Cada girada do pescoço, um horizonte descoberto. E ele começou a cantar.
d) A sabedoria do vento mandou o sabiá pro espaço para que ele voasse.
e) Enquanto a girafa andava , o sabiá passeava no céu.



10) Em “Ela sonhava assaltar partituras.”, o vocábulo que pertence ao campo semântico do substantivo destacado:

a) música

b) partida
c) parte
d) fartura
e) voz


 

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