CATADORES DE TRALHAS E SONHOS Milton Hatoum



                                                                                                  http://www.capao.com.br/


São centenas, talvez milhares os catadores de papel nessa megalópole. Puxam ou empurram carroças e catam objetos no lixo ou nas calçadas. É um museu de tralhas variadas: restos de materiais para construção, papel, caixas de papelão, embalagens de inúmeros produtos, e até mesmo objetos decorativos, alguns belos e antigos, desprezados por algum herdeiro.
           Há carroças exóticas, pintadas com desenhos de figuras pop, seres mitológicos, nuvens, pássaros e vampiros. Em Santana, vi uma carroça que lembrava um jinriquixá, só que maior do que o veículo asiático.
          Era puxada por um velho e transportava uma avó e seu netinho, sentados em pilhas de papel. Perguntei ao carroceiro quanto ele cobrava pelo transporte de passageiros.
          “Depende… Pra perto daqui, cinco reais. Pra fora do bairro, cobro 15 ou 12, depende do passageiro e do dia. Não gasto gasolina, nem nada, é só força mesmo, amigo.”
          E haja força, leitor. Mas esse meio de transporte é raro na metrópole. Quase todas as carroças só carregam quinquilharias, uma e outra exibem aforismos, poemas, ditados. Vi carroças líricas, políticas, filosóficas, cômicas, moralistas, anarquistas. Numa delas se lia:
          “A verdade é uma desordem… Alguém tem dúvida?”.
          Noutra, pintada de verde e amarelo: “Aqui só carrego bagunça, mas sou homem de paz”. A que mais me chamou atenção foi uma carroça linda, com uma pintura geométrica que lembra um quadro de Mondrian. Na lateral, estava escrito:
          “Carrego todo tipo de tralha, e carrego um sonho dentro de mim”.
          Era uma carroça mineira, pois ostentava uma bandeira de Minas. Conversei um pouco com esse carroceiro de São João del-Rei. Acho que perdeu a desconfiança nas ruas paulistanas, pois não se esquivou de mim, e ainda me mostrou uma luminária de aço, fabricada em Manchester (1946). Esse objeto havia sido abandonado numa caixa de papelão e recolhido pelo caprichoso carroceiro de Minas.
          Especulei a origem da luminária e me indaguei: quantas páginas esse belo objeto tinha iluminado em noites do pós-guerra?
           Depois o carroceiro abriu uma caixa e me mostrou livros velhos, em língua alemã. Disse que tinha encontrado tudo numa mesma calçada do Jardim Europa, e agora ia vender os livros para um sebo. Ele me olhou e acrescentou:
          “Ando solto, não gosto de ser botado preso dentro de curral. A gente encontra cada coisa por aí… Só não encontra o que a gente sonha”.
           Comprei a luminária desse filósofo ambulante, mas não me interessei pelos livros, que talvez sejam relidos por algum germanófilo de São Paulo.
          Sei que não é fácil encontrar um sonho nas ruas; mas encontrei carroceiros simpáticos e um assunto para escrever esta crônica.

 Caderno 2 do Jornal O Estado de São Paulo, em 27 de março de 2015

 https://www.escrevendoofuturo.org.br/conteudo/biblioteca/nossas-publicacoes/revista/paginas-literarias/artigo/1858/catadores-de-tralhas-e-sonhos

1) Transcreva o período que transmite a ideia de que carroças não são comuns nos grandes centros urbanos.

 


2) O tema do texto é:

a) o sofrimento por que passam os donos de carroças.
b) o cotidiano dos catadores de rua.
c) a baderna dos catadores numa cidade como São Paulo.
d) a filosofia que todo catador exterioriza em sua carroça.
e) o retrato de catadores que são artistas.



3) A expressão conotativa ,presente no texto, que tem o significado de “ter um objetivo” é:

a) não encontrar o que sonha.
b) andar solto
c) não ser preso dentro do curral
d) ser homem de paz
e) carregar um sonho.

 

4)



O cartaz e o texto “Catadores de tralhas e sonhos.”, embora tratem do destino do lixo, diferem quanto à abordagem:

a) conotativa e carregada de sentimentalismo pelo tratamento dado aos materiais descartados, na crônica.
b) científica e denotativa sobre o abandono do lixo orgânico em grandes cidades, no cartaz.
c) crítica e conotativa em relação às pessoas que desprezam livros velhos, tratados como lixo, na crônica.
d) denotativa e repleta de indicações sobre o destino dos detritos urbanos para produção de energia, no cartaz.
e) denotativa e impregnada de dados estatísticos , na crônica.

 

5) Acerca da linguagem do texto, assinale o item que apresenta o emprego formal da língua:



a) “Depende...pra perto daqui cinco reais(...)”
b) “Ando solto, não gosto de ser botado preso dentro de curral (...)”
c) “Só não encontra o que a gente sonha” (...)
d) “Há carroças exóticas, pintadas com desenhos de figuras pop(...)
e) “É um museu de tralhas variadas(...)”

 

6) Após a leitura do texto, é possível inferir que:

a) percebe-se que o número de catadores cresce junto com a megalópole.

b) consegue-se visualizar uma espécie de trabalhadores que passam despercebidos para muitas pessoas.
c) descobre-se que o trabalho dos catadores resume-se ao recolhimento de quinquilharias.
d) percebe-se a consciência ambiental dos catadores, pois só transportam pessoas para diminuir a poluição do ar.
e) encontra-se um padrão decorativo em todas as carroças.

 

7) O título do texto apresenta uma oposição entre a realidade( tralhas) e o sonho. Essa oposição também ocorre em:

a) “São centenas, talvez milhares os catadores de papel nessa megalópole.”
b) “A gente encontra cada coisa por aí…”
c) “Não gasto gasolina, nem nada, é só força mesmo, amigo.”
d) “Aqui só carrego bagunça, mas sou homem de paz”
e) “Sei que não é fácil encontrar um sonho nas ruas...”

 

 
8) Ao se referir às carroças como um museu de tralhas variadas, o eu lírico:

a) considera que os catadores são verdadeiros museólogos.

b) ironiza o trabalho dos catadores.
c) faz uma analogia com as coisas antigas encontradas em museus.
d) descaracteriza a profissão de catador.
e) faz uma crítica vela da aos museus. 

 

9) Dentre as acepções do verbo carregar,a que melhor se encaixa no contexto textual “...e carrego um sonho dentro de mim.” é:

a) pôr carga em
b) levar
c) exagerar
d) satura
e) fazer pressão

 

10) O texto Catadores de tralhas e sonhos pertence ao gênero textual caracterizado por textos curtos, de linguagem simples e que retrata os aspectos da vida cotidiana, geralmente com toques de humor ou ironia, que é:

a) novela
b) romance
c) fábula
d) conto
e) crônica

 


11) Assinale o item que está empregado no sentido conotativo:

a) “Na lateral, estava escrito: “ Carrego todo tipo de tralha, e carrego um sonho dentro de mim.”
b) “Era uma carroça mineira, pois ostentava uma bandeira de Minas.”
c) “... quantas páginas esse belo objeto tinha iluminado em noites do pós-guerra?”
d) “... agora ia vender os livros para um sebo.”
e) Comprei a luminária desse filósofo ambulante...”

   

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Comentários

  1. Que crônica interessante! Os exercícios bem elaborados a enriquecem ainda mais. Parabéns, professora Mônica.

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